Documento denuncia a falta de planejamento e o desrespeito da SEED com os(as) educadores(as) no processo de imposição da chamada “educação a distância” no Paraná. A carta aponta a exclusão de alunos(as) e as contradições da resolução do Conselho Estadual de Educação, que autorizou as “aulas não presenciais”, reforçando para que direções e comunidades escolares observem todo o processo normativo com atenção redobrada.
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Os núcleos sindicais de Foz e Toledo apresentam aos(às) diretores(as) alternativas para o ano letivo, que não passasm pela “EaD”, como impõe o governo. A carta orienta a convocação de reuniões dos conselhos escolares para debate amplo sobre as “aulas não presenciais”, com a definição de condições para que elas ocorram.
O documento se contrapõe à tentativa da SEED de desvalorizar diretores e diretoras, tentando reduzi-los(as) a extensões da secretaria. Por fim, a comunicação enfatiza que o sindicato está à disposição para apoiar os(as) diretores(as) frente a eventuais desmandos e ameaças.
Leia o documento na íntegra:
CARTA AOS DIRETORES E DIRETORAS DE ESCOLAS PÚBLICAS
“Educar é impregnar de sentido o
que fazemos a cada instante!”(Paulo Freire)
Caros (as) Diretores (as) de Escola:
Desde o decreto de isolamento social 4320/2020 do Governo Ratinho, em virtude da pandemia de Covid-19, bem como, as normativas oficiais que saíram posteriormente, tratando do regime especial de “aulas não presenciais”, temos acompanhado e nos solidarizado com os diretores/as de escolas e o conjunto das comunidades escolares, diante do verdadeiro quadro caótico que foi instaurado. No sentido de ajudar a refletir sobre a situação, instrumentalizar e fortalecer a tomada de decisões colegiadas, alertar para as armadilhas do processo e dar suporte, elaboramos o presente documento.
IMPROVISO, FALTA DE PLANEJAMENTO E DESRESPEITO
Diferente do que deve ser a praxe na educação pública: diálogo com as partes envolvidas; planejamento da proposta/projeto; regulamentação da proposta; definição de responsabilidades dos envolvidos; respeito as legislações e normas vigentes, entre outros, a SEED, na figura do Secretário Renato Feder, simplesmente ignorou todos esses passos na imposição improvisada das “aulas não presenciais” na rede estadual.
Ao tocar o processo de forma aligeirada, sem levar em conta as especificidades locais/regionais das escolas (seus projetos político pedagógicos), as diferentes modalidades de ensino e distintos sujeitos da escola pública, sem levar em conta a condição socioeconômica dos estudantes para a participação nas “aulas não presenciais”, e sem fornecer os recursos tecnológicos adequados aos profissionais para realizarem o trabalho, a SEED colocou os Diretores de Escola diante de inúmeras dificuldades junto às suas comunidades.
Após ter passado algumas semanas da implantação das aulas não presenciais, são inúmeras as questões que continuam sem respostas, ou que aparecem de forma contraditória entre o CEE e a SEED.
A QUEM CABE A DECISÃO SOBRE A OFERTA DAS AULAS NÃO PRESENCIAIS?
O Conselho Estadual de Educação do Paraná (que é o órgão responsável por instituir normas regulamentadoras ao Sistema Estadual de Ensino do Estado do Paraná) trouxe na Deliberação 01/2020, um conjunto de indicações sobre a possibilidade das instituições de ensino decidirem sobre a oferta das aulas não presenciais:
Art. 3.º Fica sob a responsabilidade das direções das instituições e redes de ensino, em comum acordo com suas mantenedoras, a decisão de manter a suspensão do calendário escolar durante o período de regime especial ou pela continuidade das atividades escolares no formato não presencial.
Parágrafo único. As instituições de ensino deverão comunicar a decisão tomada à comunidade escolar, particularmente aos pais ou responsáveis, (…)
Art. 6.º Para efeito de validação como período letivo, quando da oferta de atividades não presenciais, a instituição de ensino deverá, (…)
I – ata de reunião do Conselho Escolar, quando se tratar de instituição pública; ata da mantenedora, (…)
Art. 7.º A análise do requerimento e a emissão do ato de validação da oferta não presencial prevista nesta Deliberação ficam a cargo da Secretaria de Estado da Educação (…)
§ 1.º Somente serão consideradas válidas, para efeito de cumprimento do período letivo constante dos Arts. 24, 31 e 47, da Lei Federal n.º 9.394/1996, as atividades escolares não presenciais devidamente autorizadas e que atendam integralmente ao disposto nesta Deliberação.
§ 2.º Não serão aprovadas, nem consideradas como período letivo, para efeito de cumprimento do calendário escolar, as atividades não presenciais que não preencherem os requisitos desta Deliberação.
Ao instituir a Resolução 1016/2020, apesar de afirmar que as “aulas não presenciais seriam em conformidade com o disposto na Deliberação n.º 01/2020 – CEE/PR” (Art. 1.º), a SEED contraria o que traz a deliberação. Ela ignora que cabe às instituições definirem sobre a adesão às aulas não presenciais. A SEED assumiu para si, de forma unilateral – ignorando completamente a realidade e as condições de cada escola – a responsabilidade de ofertar o ensino não presencial em praticamente todas as instituições da rede pública estadual, conforme abaixo:
Art. 2.º Fica sob a responsabilidade da mantenedora da Rede Pública Estadual de Ensino, a oferta das atividades não presenciais para o Ensino Fundamental anos finais e Ensino Médio.
Art. 4.º As instituições de ensino da Rede Pública Estadual que ofertam Ensino Fundamental – anos finais, Ensino Médio, Educação Especial e conveniadas EJA – Fase I, EJA – Fase II, EJA – Ensino Médio e Profissionalizante, ofertarão atividades escolares no formato não presencial, nos termos da Deliberação n.º 01/2020 – CEE/PR.
Apesar da SEED assumir a decisão unilateral da oferta das aulas não presenciais, existem inúmeras contradições neste encaminhamento, por isso consideramos fundamentais que os diretores e a comunidade escolar observem todo o processo com bastante atenção.
A QUEM CABE A GARANTIA DO PADRÃO DE QUALIDADE DA EDUCAÇÃO OFERTADA, E AS CONDIÇÕES PARA ACESSO E PERMANÊNCIA?
Ainda que a Deliberação do CEE não verse muito sobre o direito dos estudantes a uma educação de qualidade e às condições de acesso, etc. , ela aponta que cabe às redes e às instituições de ensino:
Art. 11. As redes e as instituições de ensino devem, ao realizarem as atividades não presenciais, acompanhar e assegurar os direitos de todos os estudantes, o cumprimento dos conteúdos e da carga horária prevista na proposta pedagógica curricular.
Art. 13. Cabe à Secretaria de Estado da Educação e do Esporte e à Superintendência Geral de Ciência, Tecnologia e Educação Superior, no âmbito de suas atuações, assegurar o cumprimento desta Deliberação, com vistas à garantia da oferta de educação com qualidade e equidade.
Já a resolução da SEED, também sem aprofundar no mérito da qualidade e da garantia do acesso, que é fundamental, ela coloca esta responsabilidade para a Direção da Instituição:
Art. 14. São atribuições da Direção da instituição de ensino:
IV – viabilizar, quando necessário, acesso do docente aos recursos tecnológicos para o efetivo cumprimento desta Resolução, observando as normas técnicas determinadas pela Secretaria Estadual de Saúde do Paraná, referente à pandemia COVID – 19;
V– monitorar e garantir a efetividade do processo envolvendo toda comunidade escolar;
É preciso fazer um destaque sobre como a SEED tem jogado um grande fardo de responsabilidades para cima das equipes diretivas. As Direções, que foram, praticamente, ignoradas no processo de construção da proposta de aulas não presenciais, são colocados aqui como as principais responsáveis pela efetivação deste mesmo processo. Fazendo uma comparação do que é responsabilidade da SEED e dos Diretores na resolução, nos questionamos: de onde sairão os recursos e as condições para que os diretores garantam a efetividade do processo, envolvendo toda a comunidade escolar, já que a SEED coloca que garantir isso é obrigação das direções de escola e não da própria SEED? Garantir que toda a comunidade esteja inserida no processo, está no alcance dos Diretores/as? Qual seria o propósito da SEED em colocar essas atribuições aos diretores?
Considerando que ambos documentos são omissos em tratar de preceitos fundamentais da Constituição Federal e da LDB, salientamos um pequeno trecho que o Ministério Público do Rio de Janeiro destacou na Ação Civil Pública que instaurou sobre a EaD da Rede Estadual, naquele Estado:
(…) o art. 206 da Constituição Federal determina que são princípios que devem orientar a ação administrativa dos entes federados no sentido da concretização do direito à educação, dentre outros, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (inciso I) e a garantia do padrão de qualidade (inciso VII).
Ainda na sequência, versou sobre Crime de Responsabilidade:
Art. 206, § 2º, CF: “O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”.
Em outro trecho o MP do Rio de Janeiro, diante da situação de exclusão digital dos estudantes, apresenta o seguinte:
Não obstante, tal garantia, que não pode ser ilusória ou meramente formal, não pode admitir como natural que alguns alunos tenham acesso à educação, e outros não tenham, ou seja, que alguns alunos sejam deixados para trás. Não pode admitir, em suma, que se formem castas de estudantes na rede estadual de ensino: a casta dos “tecnológicos” e a dos “excluídos digitais. (MP-RJ)
Diante de toda a arbitrariedade deste processo implementado pela SEED, e da produção de exclusão que já é possível acompanhar, o Coletivo de Pedagogas da APP-Sindicato Foz produziu um manifesto e protocolou o mesmo em forma de denúncia ao Conselho Estadual de Educação. Destacamos abaixo algumas partes da resposta do CEE, que de certa forma, confirmam o conjunto de contradições que expusemos até então, o que só faz aumentar nossas preocupações. Falando sobre a deliberação 01/2020:
Ponderou também que nesse universo há distintas formas de organização, cursos e modalidades de ensino, que vão desde o maternal, na Educação Infantil, até as pós-graduações em stricto sensu; número de cursos, professores e alunos e condições de funcionamento, não sendo possível aplicar uma regra única para este momento excepcional.
A deliberação em tela expressa que independentemente das providências tomadas para a implementação das atividades escolares no momento da suspensão das aulas presenciais, todas elas devem ter por base a legislação educacional que trata do ano letivo e assegurar a qualidade educacional e a equidade a todos os educandos.
Registre-se que o documento normativo destaca que às instituições que optarem pela oferta não presencial nesse período, é mister a garantia do acesso a todos os estudantes e profissionais da educação às condições necessárias para a implementação das atividades propostas, com vistas a garantir o padrão de qualidade, para todos e cada um, determinado pela Constituição Federal e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Sobre a falta ou falha nos Recursos tecnológicos para professores, o documento ainda trouxe o seguinte:
(…) cabe a Direção de Ensino “viabilizar, quando necessário, acesso do docente aos recursos tecnológicos, observando as normas técnicas determinadas pela Secretaria Estadual de Saúde do Paraná, referente à pandemia COVID – 19.
HÁ ALTERNATIVAS PARA ANO LETIVO, QUE NÃO SEJA A OFERTA DE AULAS NÃO PRESENCIAIS?
Desde o início da oferta das aulas não presenciais, o Secretário Renato Feder usa um discurso muito enfático, chegando em certos momentos fazer chantagem com a comunidade escolar, sobre não haver alternativas para esse momento de pandemia que não seja, as aulas não presenciais.
Primeiro cabe destacar que não podemos tratar esse momento dentro da normalidade, é uma situação sem precedentes na história mais recente da humanidade. Logo, não é possível concordarmos com o jargão do Secretário de que “A Educação não pode parar”. O mundo está parado, a economia está parada, somente áreas essenciais para a sobrevivência não pararam. Um momento de excepcionalidade como este, de tragédias ao redor, que envolve cuidados com a saúde, com o emocional, exige de todos, mas principalmente dos gestores, medidas com cautela, priorizando o fundamental: o cuidado com a saúde e com a vida.
Não é verdade que não há alternativas às aulas não presenciais, tanto que o discurso do Secretário é confrontado pela sua própria resolução 1016/2020:
Art. 5.º As instiuições de ensino da Rede Pública Estadual que ofertam Ensino Fundamental – anos inciais deverão manter a suspensão do calendário escolar e propor calendário de reposição, conforme estabelecido na Deliberação n.º 01/2020 – CEE/PR, garantindo o padrão de qualidade do processo de ensino aprendizagem.
Vejamos, se aqui, em escolas que a própria SEED coordena é possível manter a suspensão do calendário e propor outras alternativas, porque para o ensino fundamental – séries finais e ensino médio, não é? Porque o discurso muda tanto e se torna tão enfático com as demais escolas da rede?
É preciso pensar que a pandemia de Covid-19, por si só já traz um comprometimento do ano letivo, e de todas as demais convenções sociais, não dá para ignorar esta realidade, por isso todas as viabilidades precisam ser pensadas dentro do pressuposto de anormalidade para execução do ano letivo, buscando a solução que traz maior redução de danos aos estudantes, aos seus familiares e aos profissionais. Nesse sentido, o ano/calendário letivo não tem obrigatoriedade legal de coincidir com o ano/calendário civil, já houveram outros momentos que o calendário letivo se descolou do calendário civil no Paraná. É possível, após o isolamento social pensar nessa possibilidade de estender o ano letivo de 2020 ou como tem defendido o Educador Pesquisador Luiz Carlos de Freitas, fazer uma junção (um ciclo) dos anos letivos 2020-2021.
Outra medida, que também já foi utilizada no Paraná para outras situações, sem cumprir os 200 dias letivos, foi a reposição de carga-horária por “módulos” ou atividades orientadas pelos professores das turmas. Isso seria uma possibilidade a ser estudada com o fim do isolamento, a depender da quantidade de dias letivos sem aula.
Aqui, levantamos apenas algumas das possibilidades que podem ser apresentadas às comunidades escolares para que elas definam de forma tranquila, sem pressão, sem chantagem, a melhor forma dos estudos dos seus filhos, sem prejuízos, sem traumas, com diminuição da exclusão.
A APP-Sindicato não tem contrariedade em a SEED usar as tecnologias (principalmente agora que já foram feitos grandes investimentos de recurso público) para fornecer apoio, complementação, orientação de estudos neste momento, mas não é aceitável que a SEED de forma impositiva coloque essa carga de responsabilidade às famílias, aos estudantes neste momento, sabendo que grande parte está excluída ou com sérias dificuldades de acompanhar esse processo.
É preciso que a SEED suspenda imediatamente esse processo de improviso educacional, que tem trazido dificuldades e preocupações às famílias, sobretudo às mais carentes e já excluídas socialmente. É preciso muito diálogo com os envolvidos e cautela para pensar as alternativas.
Diante de todas as considerações que fizemos até aqui e diante da posição da APP-Sindicato de contrariedade a este processo excludente, apontamos as seguintes orientações:
ORIENTAÇÕES AOS DIRETORES E MEMBROS DO CONSELHO ESCOLAR:
a) Convocação do Conselho Escolar: É preciso convocar o Conselho Escolar, respeitando as normas de isolamento social, para avaliar coletivamente a condição de oferta do “ensino não presencial”, na sua comunidade, levando em consideração as suas características específicas de ensino (modalidades, cursos, bem como, o perfil da comunidade e demais aspectos legais para garantir o acesso, qualidade e equidade, bem como, os recursos e as condições ao conjunto de profissionais da escola). Observação: É necessário que para a tomada de decisão, além de levar em conta todas as condições de acesso dos estudantes, é importante e prudente registrar em Ata todas as condições adversas para a realização das aulas não presenciais, na perspectiva de garantia do direito de todos, da qualidade da educação, da igualdade de condições para o acesso.
b) Formalização das condições de oferta das aulas não presenciais: Se a definição da comunidade for a de implementação das aulas não presenciais, é importante que no decorrer da oferta, o Diretor formalize aos órgãos competentes as dificuldades com o processo, a falta de recursos tecnológicos, as possíveis negligências da própria SEED, pois conforme a legislação educacional vigente, é preciso atentar ao Direito de todos os estudantes a uma educação de qualidade.
c) A gestão empresarial da SEED não cabe para a administração pública: É preciso destacar que o modelo de gestão empresarial de Feder, que se baseia na informalidade de normas e procedimentos, ausência de regulamentação, ausência de documentos oficiais para comunicação, não é compatível com a administração pública, por isso é muito importante ficar sempre atento aos princípios e normas que orientam a gestão pública e não se valer dos mesmos meios que a SEED utiliza. Já vivemos experiências no Paraná, que os responsáveis pelos mandos e desmandos se esquivam de suas responsabilidades e estas acabam recaindo sobre os diretores de escola e demais servidores públicos.
d) Conte com a APP-Sindicato: Ainda que autoritariamente o Secretário de Educação Renato Feder venha insistindo em suas falas em reduzir os diretores e diretoras a meras extensões da SEED, a APP-Sindicato reconhece os/as diretores/as como educadores responsáveis e importantes agentes para efetivação de uma educação pública de qualidade a cada estudante paranaense. Concepção essa em flagrante contrariedade com esse processo de aulas remotas. Por isso, diante de qualquer ameaça, perseguição ou dúvida entre em contato com a APP-Sindicato para maiores orientações. Rejeitarmos a condição de subordinados ameaçados de perder a liberdade de pensar a educação pública é importante nesse momento de graves ataques que estamos vivendo. Filie-se e participe da APP-Sindicato.
APP-Sindicato/Foz e APP-Sindicato/Toledo
Abril de 2020.