Repressão a servidores(as) em greve, na gestão do ex-governador Beto Richa, deixou cerca de 300 pessoas feridas; responsáveis pela violência não foram punidos.
A data de 29 de abril de 2015 permanece na lembrança dos(as) educadores(as) da rede estadual de educação do Paraná. Há cinco anos, na praça entre o Centro Cívico, sede do Governo do Estado, e a Assembleia Legislativa (ALEP), servidores(as) em greve foram violentamente reprimidos por policiais militares, na gestão do ex-governador Beto Richa.
A ação durou mais de três horas e feriu 300 trabalhadores(as) que protestavam pacificamente, conforme levantamento dos sindicatos. Contra professores(as), funcionários(as) de escolas e estudantes, tropas especializadas usaram bombas, helicópteros, jatos de água e cães. O custo da operação foi estimado em R$ 1 milhão aos cofres públicos. Nenhuma pessoa foi punida pela violência desmedida.
Perto de cem educadores(as) de Foz do Iguaçu e região estavam no Centro Cívico no dia 29 de abril. Presidente da APP-Sindicato/Foz, Diego Valdez relembra que a greve dos(as) servidores(as) era para impedir o confisco, por parte do Governo do Estado, do fundo com as reservas de recursos destinados à aposentadoria da categoria, e o desmonte do plano de carreiras.
Os(as) servidores(as) queriam acompanhar a sessão legislativa que deliberava sobre projetos de interesse da classe, mas foram impedidos. Mesmo com a ordem para a repressão policial contra os(as) funcionários(as) públicos(as), os(as) deputados(as) estaduais mantiveram a votação – sob protesto de poucos parlamentares –, atendendo ao governo e ignorando o sofrimento de estudantes, professores(as) e agentes educacionais.
“Nós, professores(as) e funcionários(as) de escolas de Foz e região, estávamos bem perto das forças policiais, junto à cerca de isolamento. Fomos os primeiros a sofrer a violência quando foi dada a ordem para o massacre”, conta Valdez. “Foi um desespero, pois estávamos no meio de uma praça de guerra, atacados por todos os lados, inclusive pelo alto, dos helicópteros”, ressalta.
Hoje diretora do Colégio Gustavo Dobrandino da Silva, Karin Schossler destaca a necessidade de se relembrar e denunciar a violência desmedida naquele outono de abril, cinco anos atrás. “É muito importante relembrar aquele momento tão terrível, pois não queremos que se repita”, enfatiza a professora.
A docente recorda que ao retornar para a escola, foi produzido um vídeo com imagens e áudio em que educadores iguaçuenses narram como aconteceu o ataque. “É uma forma de documento que o colégio produziu naqueles dias, por meio do Ponto de Cultura Um Olhar para a Paz”, relembra Karin.
Recepção dos colegas
Para a pedagoga do Colégio Barão do Rio Branco, Cátia Castro, a lembrança mais forte daquele episódio foi o retorno para casa, na altura de Matelândia (PR), na Região Oeste. “Fomos recepcionados pela categoria que aguardava na beira da estrada, já tarde da noite. Vieram ao nosso encontro colegas com rosas brancas, nos agradecendo, dividindo o choro e a revolta”, resgata.
“A sensação daquele momento de emoção foi saber que a luta vale a pena, e que defender nossos direitos, mesmo colocando a integridade física em risco, só tem sentido porque acreditamos que precisamos ainda de muita força e coletividade para frear as injustiças e desigualdades dessa sociedade”, reflete Cátia, que integra a direção da APP-Sindicato/Foz.
Violência premeditada
O professor Pedro José de Campos Junior, do Colégio Paulo Freire, lembra que os educadores em greve eram ameaçados por policiais nas noites anteriores ao ataque. No dia 28 de abril, ele e outros colegas viajaram para se somar aos(às) demais servidores(as). “Ao descer do ônibus, já próximo à Assembleia Legislativa, me assustei com o número de servidores(as) e a quantidades de policiais. À tarde, começou o massacre”, conta.
“Ao mesmo tempo em que ajudava pessoas machucadas, também auxiliava alguns que, desorientados, atravessavam a avenida sem cuidar com o trânsito”, revela. “Foi nesse instante que sentei à beira da calçada e chorei copiosamente, pois me senti humilhado como se fosse um marginal, e só queria defender meus direitos”, expõe o educador, emocionado.
MAIS DEPOIMENTOS:
Paulo Roberto Esbabo, professsor de História em Missal
“No dia 29 de abril de 2015, estive com os colegas professores e funcionários estaduais de Foz, junto da grade de contenção de direitos e nela caí… E nela também fiquei preso pelos pés, sob pancadas de cacetetes da polícia… Devo minha vida ao professor Ildo Borsoi, que me defendeu, com seu braço, de uma pancada de cacetete que atingiu minha nuca enquanto eu estava caído e prensado na grade… Quando me ajudaram a me soltar da grade, fui até o acampamento e, lá, mais longe da terrível fumaça, ajudei uma colega professora que desmaiava pelo gás… As balas de borracha e as bombas incandescentes de gás nos alcançavam… Derreteram parte da cadeira de outra professora, em que ela, minutos atrás estava sentada… O helicóptero da polícia voava baixo e arrancava nossas barracas com o vento de suas hélices… Mas diminuíam, nunca cessavam, os tiros. E baixava a nuvem de gás, a gente voltava para gritar por nossos direitos e por respeito à pessoa que somos… Nós, educadores, nunca esqueceremos!”
Silvio Borges, membro da direção da APP-Sindicato/Foz
“Acredito que o dia 29 de abril jamais sairá da memória de quem lá esteve, e mesmo daqueles que não puderam ir mas acompanharam tudo de suas regiões. Para mim, o dia 29 de abril começou na verdade no dia 27, quando saí de Foz do Iguaçu para Curitiba representar nosso Núcleo Sindical, na reunião do Comando Estadual de Greve. Já na noite do dia 27, acampados na Praça Nossa Senhora da Salete, tivemos uma mostra do que seria o 29, pois na madrugada tivemos o primeiro embate com a tropa de choque de Richa/Francischini, quando um guincho foi rebocar dois caminhões de som que estavam em frente à ALEP. Nos sentamos de braços dados na frente dos caminhões, fomos arrancados a força, nos jogaram spray de pimenta na cara e usaram gás de efeito moral, fui arrastado por dois policiais até a calçada na ALEP. Na manhã do dia 28, fizemos uma passeata da Praça 19 de Dezembro até o Centro Cívico, tiramos da nossa frente viaturas da polícia, e mais uma vez fomos recebidos com bombas de gás e spray de pimenta. Passamos a noite em claro apreensivos, eis que amanhece o dia 29 de abril, o dia em que com muita força e coragem defendemos nossos direitos com nosso sangue até quase a exaustão. O restante da história vcs já conhecem.”
Liege Margo Schmitt, professora de História/Filosofia no Colégio Flávio Warken, em Foz do Iguaçu.
“Sentada, no sofá da minha casa, amamentando minha filha que estava com 8 meses, eu vi o massacre pela televisão. Estava em licença especial após o vencimento da licença maternidade. Licença está que só usufruí em razão da deficiência da minha filha. Abriram uma exceção para que eu tivesse acesso ao meu direito.
Isso é tão desprezível!
Ouvi colegas dizerem que eu desperdiçaria minha licença, pois estávamos em greve. Esse é o maior dos nossos problemas: a falta de consciência de classe. E quem está no poder, sabe jogar muito bem com isso.
Pessoas conhecidas que moram em Curitiba, disseram que o cenário era como o de um filme de guerra. Que não tinham visto nada igual antes.
Pelas redes sociais chegavam mais informações, mais imagens que me agrediam, me machucavam. Vi os dois filhos de um professor da graduação ensanguentados. A dor de um pai transcrita nas palavras que ele redigida naquelas fotos…
Havia um misto de sentimentos.
Estava bem por estar em casa e segura com minha filha. Mas, estava despedaçada vendo meus colegas sendo agredidos daquela forma.
A imagem na televisão era de uma mulher, provavelmente uma professora, bem a frente do cordão formado pela polícia. Ela gritava, chorava. Eu sentia aquela injustiça com todos nós. Não podia mais continuar a amamentar naquele momento.
O pai da minha filha vendo aquilo afirmou: eu sei que você queria estar ali.
Chorei.
Chorei por meus colegas. Por todos nós. Por me sentir de mãos atadas. Por sermos acusados de tantas inverdades. Por sermos tão desrespeitados.
Jamais esqueceremos!”
Tamara Cardoso André, professora da Unioeste/Foz
“Dia 29 de abril de 2015 eu estava lá quando Beto Richa atacou professores com polícia de choque, balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. Na época eu já não apoiava governos de direita, mas também não imaginava que qualquer governo fosse capaz de dar aquele tratamento a um protesto pacífico de professores. Hoje já sei do que os governos de direita são capazes. Perdi qualquer resquício de ingênua crença na sensatez da democracia capitalista. Já não luto apenas contra a perda de direitos, luto contra o capitalismo, com a certeza de que, como dizia Rosa Luxemburgo, é o socialismo ou a barbárie.”
Alcione José Kölln é professor do Colégio Paulo Freire, em Foz do Iguaçu
“Nesse dia, eu estava na Praça do Mitre, aqui em Foz, e lembro que durante o momento do massacre estava ao celular, com o professor Pedro José de Campo Junior, que estava em Curitiba participando das manifestações. Ele relatava os horrores que aconteciam por lá. Perto de mim tinha um grupo de professores e funcionários assombrados, ouvindo os relatos do terror promovido pelo governo de Beto Richa. Esse foi o dia mais triste da minha carreira como professor, mas também um dos dias de maior orgulho da minha categoria, que não baixou a cabeça e enfrentou o poder bélico do Estado.”
Sebastião Gonçalves é professor de Filosofia na Unioeste/Foz.
“Hoje faz cinco anos que lutamos contra o assalto da Previdência dos servidores. Naquela época, tinha um filhote de rato na equipe do governo que assaltou nossa Previdência com apoio da maioria dos deputados. Cinco anos depois, o rato que fazia parte do governo na época virou governador e aumentou 3% o desconto da Previdência, passando para 14% o desconto de previdenciário do servidor. O triste de tudo isso é saber que tudo aconteceu e ainda acontece com apoio de que está do lado de cá.”