Mãe de aluno de 11 anos, que frequenta a rede estadual de ensino em Foz do Iguaçu, a professora universitária Angela Souza enviou carta ao Conselho Estadual de Educação do Paraná (CEE) posicionando-se sobre as atividades não presenciais, a EaD. Esse modelo está sendo aplicado no estado durante a pandemia de covid-19.
No documento, a mãe faz uma análise dos problemas que ela identificou nas duas primeiras semanas de EaD. Dificuldade de acesso aos links disponibilizados, falta de orientação sobre “avaliações” e frequência, aulas repetidas no YouTube e longo período de cinco aulas exigido dos(as) estudantes são alguns questionamentos.
A inadequação da ferramenta/método em relação à idade dos(as) alunos(as) é outro grave equívoco apontado por Angela Souza. “E, um dos principais problemas enfrentados: deixar um pequeno estudante de 11 anos, das 13h às 17h, em frente a uma TV ‘assistindo aulas’. Não é nada didático, nem recomendado para a idade”, escreve a mãe de aluno. “Transpor para o vídeo aulas que deveriam ser presenciais é extremamente complicado, principalmente para crianças. Os efeitos negativos são graves”, complementa.
O documento ao CEE também cita a necessidade de aulas em libras e cobra explicação sobre como ficarão os alunos que não dispõem de acesso à internet e a outros recursos necessários para que possam acompanhar as aulas. A mãe afirma que a EaD eleva a ansiedade já vivenciada neste período de quarentena, e questiona a sua eficácia educacional.
“O que considero extremamente problemático é chamar o que estamos recebendo de “aulas”, em substituição às aulas presenciais, por mais que tenha um grande esforço das/os professores envolvidos nas vídeoaulas, mesmo assim, estas “aulas” não são suficientes”, reflete Angela Souza. “Não acredito numa educação sem interação, sem participação, sem presença criativa”, sublinha.
Leia a íntegra da carta enviada ao CEE:
“Prezados(as),
Tenho um filho de 11 anos (quase 12), estudante da rede pública estadual. Como determinado, estamos em quarentena e sem frequentar as aulas presenciais. Porém, dia 6 abril, “iniciaram” as chamadas aulas EAD. Li todos os documentos publicados, inclusive a normativa da Secretaria de Educação do Estado do Paraná, acessei todos os links e redes sociais dos colégios que me foram possíveis, para buscar informações. Entrei em contato com professoras, pedagogas e demais pessoas envolvidas com a educação, mas várias das questões que coloquei não foram respondidas.
Uma das principais dificuldades foi ouvir de professoras/es que elas/es também não tinham como nos dar respostas porque também não foram preparados para a situação (aulas EAD), o que podem verificar nas cartas/vídeos publicados por colégios em suas páginas sociais.
Nesta primeira semana aponto como principais problemas:
– Dificuldade de acesso aos links disponibilizados ou, quando é possível acessá-los, os mesmos não nos fornecem as informações necessárias para o desenvolvimento das “atividades letivas”.
– Dificuldade de compreender como ocorrerão “avaliações” e frequência dos/as estudantes, já que os links encaminhados não dão conta de definir o que a normativa determina.
– Estamos acompanhando as aulas no YouTube, porém, muitas das aulas são repetidas, o que dificulta bastante a concentração e cria um desinteresse do/a estudante.
– Dificuldade em manter o/a estudante assistindo a cinco aulas, de diferentes áreas disciplinares, já que não há interação suficiente para que haja interesse por parte do/a estudante.
– E, um dos principais problemas enfrentados: deixar um pequeno estudante de 11 anos, das 13h às 17h, em frente a uma TV “assistindo aulas”. Não é nada didático, nem recomendado para a idade.
Iniciamos a segunda semana de “aulas” e os problemas e dificuldades persistem. Meu receio é o de que os mesmos só aumentem pela forma como estão sendo encarados ou negligenciados, já que não conseguimos respostas por e-mails, telefonemas e outras formas de comunicação. Ressalto aqui a gravidade de tudo isso quando temos estudantes com situação sócio-educacional bem variadas, e com dificuldades muito maiores das que estou relatando aqui.
Se a situação persistir, corre-se o risco da educação ser a responsável por uma exclusão ainda mais intensa do que a que já vivenciamos. Como as pessoas com necessidades especiais estão recebendo as aulas? Ainda não vi aulas em libras, por exemplo. E as crianças que não têm acesso à internet ou a outros recursos, estão conseguindo acompanhar as aulas?
Sinto uma grande falta de planejamento e organização da gestão e isso pode nos trazer graves consequências. Estudantes e comunidade escolar não podem ser penalizados por isso. Temos que ter ações conjuntas, não unilaterais.
Considero os recursos EAD bastante importantes para a educação, também sou professora, mas não temos como fazer de conta que estamos tendo aulas. A situação que vivenciamos, chamando EAD, é um paliativo bastante problemático, já que não houve qualquer preparação para docentes, gestores/as, pedagogas, estudantes e famílias. Ao contrário, tudo foi implantado de forma extremamente rápida, sem consulta e sem planejamento, o que vem gerando grandes problemas e muita tensão. Ressalto, ainda, que repor aulas é algo que todas/os sabemos que vai acontecer.
O que considero extremamente problemático é chamar o que estamos recebendo de “aulas”, em substituição às aulas presenciais. Por mais que se tenha um grande esforço das/os professoras/es envolvidos nas vídeoaulas, mesmo assim, essas “aulas” não são suficientes. Ao contrário, aumentam a ansiedade que já estamos vivenciando com toda a quarentena, a qual não é pequena.
Podemos e devemos manter nossas crianças e adolescentes ativos intelectualmente, mas isso não precisa ser realizado da forma como está acontecendo. Sou favorável a usar todos esses meios para manter os/as estudantes ativos, em interação com docentes, mas não de forma conteudista, como está ocorrendo. Temos disponíveis inúmeras maneiras criativas para manter a relação com as diversas formas de conhecimento, que muito podem contribuir para a vida de nossos estudantes.
Por meio da internet podemos ampliar o acesso a filmes, músicas, livros, jogos, experiências científicas, vídeoaulas de forma educativa e criativa, inclusive, com maior possibilidade de participação de outros integrantes da família e, principalmente, com acompanhamento das/os professoras/es que sempre estiveram com nossos filhos. Não acredito numa educação sem interação, sem participação, sem presença criativa.
A educação pública é um dos grandes espaços de fortalecimento da sociedade, por isso, não devemos economizar esforços em ampliar seu alcance. A educação é um bem precioso e precisa ser trabalhada com tempo, planejamento e participação conjunta. E não vejo essa integração, ao contrário. Antes de acesso às aulas EAD, todas/os temos que nos preparar, nos planejar, nos organizar. Não podemos minimizar os impactos da pandemia em nossas vidas. E para tudo isso temos que aprender a lidar com esta abrupta mudança. A educação possui as ferramentas e é um espaço para lidarmos com todas as questões que a pandemia nos impõe, e que não podemos desperdiçar.
Deixamos aqui a sugestão de repensarmos as aulas da forma como foram propostas e de trazermos a educação como um importante espaço de interlocução e produção de conhecimento conjunto, e não de repasse de conteúdos, como vem ocorrendo. Este é um tempo precioso que precisamos saber usar.
Angela Souza, 14 de abril de 2020.“