Mordaças no processo educativo são temas de audiência pública nesta sexta-feira, em Foz
Danielli Ovsiany Becker
O projeto de lei n° 193/16, mais conhecido como “Escola Sem Partido” ou “Lei da Mordaça”, foi apresentado à Câmara dos Deputados pelo senador Magno Malta (PR/ES). Nunca na história do Brasil tivemos uma bancada legislativa tão conservadora como a que foi eleita no pleito de 2014, o que acarretou um retrocesso sem precedentes nas parcas políticas progressistas, formuladas até então, relacionadas às diversidades.
Mesmo tendo sido retirado de tramitação no Senado Federal, pelo próprio senador Magno Malta, após receber um pedido do Movimento Escola Sem Partido, sob o argumento de que o projeto tem mais chances de ser aprovado na Câmara dos Deputados, onde uma proposta semelhante, do deputado Erivelton Santana (PEN-BA), é debatida em uma comissão especial e pode futuramente seguir direto para o plenário, o projeto tem avançado em todo o país, sendo aprovado em vários municípios.
Em Foz do Iguaçu, o vereador Dr. Brito (PEN) apresentou o projeto de lei n° 95/2017, que institui o programa “Escola sem Partido”, projeto que limita e/ou extingue nas escolas municipais a discussão, entre outros, sobre religião, política, identidade de gênero e orientação sexual. Além disso, também encaminhou à Câmara de Vereadores a emenda n° 01/2017 à Lei Orgânica Municipal, que impede a utilização da palavra gênero ou qualquer referência ao termo. O que é um absurdo, haja vista que o próprio STF (Supremo Tribunal Federal) concedeu liminar na ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) n° 5537 para suspender a integralidade da lei n° 7.800/2016, de Alagoas, que instituiu o programa “Escola Livre” no Estado. Ou seja, o projeto “Escola Sem Partido” é inconstitucional.
Segundo o Ministro Roberto Barroso a lei viola a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, prevista no artigo 22, inciso XXIV, da CF (Constituição Federal). Segundo ele, legislar sobre diretrizes e bases significa dispor sobre a orientação, as finalidades e os alicerces da educação. “Ocorre justamente que a liberdade de ensinar e o pluralismo de ideias constituem diretrizes para a organização da educação impostas pela própria Constituição.Assim, compete exclusivamente à União dispor a seu respeito. O estado não pode sequer pretender complementar tal norma”.
Ainda, segundo o ministro, “a Constituição assegura, portanto, uma educação emancipadora, que habilite a pessoa para os mais diversos âmbitos da vida, como ser humano, como cidadão, como profissional. Com tal propósito, define as diretrizes que devem ser observadas pelo ensino, a fim de que tal objetivo seja alcançado, dentre elas a mencionada liberdade de aprender e de ensinar; o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; a valorização dos profissionais da educação escolar”.
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Destacamos o que deveria preocupar os legisladores em nosso país: a precariedade da educação pública brasileira, muito aquém de atender as necessidades dos/as trabalhadores/as numa perspectiva de mudança social efetiva. Em linhas gerais, os governos, mesmo os mais progressistas, não investem de forma satisfatória na educação básica. Porém, ainda mais grave que a escassez financeira é o projeto pedagógico que se tem. Um projeto padronizado e ultrapassado, que não atende às necessidades da diversidade e do pluralismo encontrados no ambiente escolar. E diante do aumento do conservadorismo e da polarização de ideias políticas no último período, este programa se arraigou de tal maneira, que vemos os conflitos cada vez mais exacerbados. Discurso de ódio e pensamento único se tornaram opinião! Pior, quem ousa contestar ou contrapor é taxado dos mais variados adjetivos, quando não obstante sofre violência física e/ou psicológica.
E neste cenário caótico precisamos resistir e combater projetos como o antipedagógico e antidemocrático, Escola Sem Partido. Podemos até renomear o projeto para Escola De Um Partido, visto que seus apoiadores defendem a promoção de pensamento único: uma única religião, uma única ideologia política, a supremacia de uma etnia em detrimento de outra, a superioridade de um determinado gênero. Precisamos ficar atentos, pois há uma jogada bastante esperta por parte de quem almeja aprovar este projeto, se atrela ao Escola Sem Partido um termo errôneo denominado “ideologia de gênero”. A questão é: De onde surgiu o termo “ideologia de gênero”? Visto que este vocábulo ou o próprio conceito não constam em nem um documento do CONAE – Conselho Nacional de Educação e nem na Base Nacional Curricular Comum.
Muitas pessoas têm afirmado que os/as professores/as não devem interferir na sexualidade de seus/as filhos/as, que não devem influenciá-los a se ‘tornarem’ homossexuais. Façamos algumas considerações: 1) a sexualidade, no sentido fisiológico, é inerente a todo ser humano, portanto é conteúdo científico a ser trabalhado na escola, o sistema reprodutório é tão importante quanto os demais sistemas da anatomia humana; 2) a orientação sexual de cada indivíduo nasce com ele, o que ocorre é que cada pessoa tem seu tempo de descoberta, isso se deve a vários motivos, preconceito, falta de apoio, não aceitação familiar e social; assim o papel da escola é ensinar aos alunos e alunas o respeito à diversidade, como forma de combater todo tipo de violência. Aqui entra nossa resistência, cabe a nós educadores/as descontruirmos essa ideia equivocada, realizando debates, lendo, se informando e, principalmente, disseminando conhecimento.
Para isso, precisamos entender que o termo ‘ideologia’ está sendo mal empregado nesse contexto. Segundo o dicionário: Ideologia: [Por Extensão] Sociologia. Organização de ideias fundamentadas por um determinado grupo social, caracterizando seus próprios interesses ou responsabilidades institucionais: ideologia cristã; ideologia fundamentalista; ideologia nazista etc. Ou seja, quando se emprega esse termo a intenção é claramente induzir as pessoas a pensarem que a escola tende a impor aos/às alunos/as orientação sexual ou identidade de gênero. Quando na verdade é justamente ao contrário, o que a escola tem feito, mesmo que insuficientemente, é ensinar o respeito à diversidade, o entendimento de que cada pessoa deve ser aceita e respeitada da forma como é, com sua orientação sexual, seu gênero, sua etnia, sua religião, suas escolhas. As crianças não podem ser educadas num mundo particular e recluso, pois mesmo a revelia da família, cedo ou tarde a convivência com o diferente será inevitável, assim sendo, que espaço pedagógico mais propício para o aprendizado do que a escola?
Em hipótese alguma pretende-se interferir nos valores aprendidos em casa com a família, o que se intenta é que haja respeito com o diferente, com o diverso, com objetivo único de se construir uma sociedade que contemple a todos e todas, que se constitua livre de violência e segregação. A história nos mostra que todas as vezes que se pretendeu concatenar uma sociedade estruturada na homogeneidade, quer seja de etnia, religião ou pensamento, o que se obteve foram tragédias e massacres.
O papel da escola vai além da transmissão de conhecimento científico, o que não retira a importância dessa função, ao contrário, amplia-se, pois é nesse ambiente que se efetiva uma das primeiras interações sociais do ser humano. É na escola que o indivíduo se constitui sujeito social, então é irracional pensar que no ambiente escolar não há espaço para discussão de temas que muitas vezes não são abordados em casa, mesmo porque muitas crianças nem família têm.
Os idealizadores do PL Escola Sem Partido afirmam que pensam no bem dos/as alunos/as, querem evitar que sejam doutrinados/as na escola. Este argumento é débil por si só, haja vista o aumento da violência devido a intolerância religiosa, ao racismo, a LGBTfobia, ao machismo, à misoginia, etc… Temos duas opções: Ou os professores são muito incompetentes na sua tarefa de doutrinação ideológica ou derrubamos por terra essa justificativa fajuta.
Há de se destacar, como já afirmado acima, que este projeto político e pedagógico está intrinsicamente ligado à manutenção da desigualdade necessária para salvaguardar o capital. Não é interessante para a elite que a educação seja crítica e emancipadora. Não precisa de muito esforço para entender a contrariedade desse projeto ao pensamento perscrutador. É perfeitamente tangível a ideia de quão fácil é ludibriar uma população desprovida de percepção da realidade, e das intenções escusas presentes nesse programa.
Sabemos o quão difícil tem sido a resistência e o enfrentamento a este projeto de sociedade individualista, exploradora e excludente que nos tem sido imposto. Projeto que necessita da força braçal do/a trabalhador/a, mas o exclui de todo o resto, e o/a precisa manter nas rédeas curtas. Porém, resistiremos e lutaremos, pois nosso projeto de sociedade é outro, é justo e contempla a equidade na diferença.
Não à lei da mordaça! Não nos calarão!
Danielli Ovsiany Becker é professora da rede estadual de educação e secretária de Comunicação da APP-Sindicato/Foz.